terça-feira, 27 de outubro de 2020

A personalidade realmente existe?

Não importa a faculdade que você frequente, se você cursar psicologia, terá uma disciplina chamada “Psicologia da Personalidade”. Sem dúvida, parece um assunto muito interessante. No entanto, ousamos dizer que não é fácil.

Mas você não precisa ter medo de como isso pode ficar complicado. O fato é que existem muitos modelos, com suas atualizações, revisões e críticas associadas, que você deve aprender. É como se você começasse a estudar química e existissem várias tabelas periódicas diferentes. Você pode imaginar a extensão da confusão de que estamos falando.

Como é a personalidade de cada um?

O verdadeiro paradoxo: a existência da personalidade

Há outra confusão que vai além de todos os modelos e definições envolvidos que é impossível ignorar. Estamos falando sobre a existência de personalidade. Acredite ou não, a questão: a personalidade realmente existe? ainda é latente para muitas pessoas. Pense nisso. Podemos dizer que uma pessoa é gentil da mesma forma que dizemos que ela é alta ou baixa?

Eysenck e McCrae e Costa provavelmente diriam que sim. Esses dois indivíduos são os criadores da mais famosa e reproduzida tabela periódica da personalidade. Inclusive, ao estudar a psicologia da personalidade, você sempre verá seus nomes citados em livros. Além disso, os amantes da análise fatorial, dos componentes principais e das outras técnicas de síntese de informações através de processos estatísticos também concordariam.

No entanto, você certamente conhece alguém que é extrovertido em um contexto e introvertido em outro. Às vezes, não é preciso nem mesmo mudar o contexto. Como regra, podemos oscilar nessa dimensão até no mesmo encontro social.

Como você pode ver, falar sobre a personalidade é complexo e pode ser um pouco confuso. Não seria muito mais fácil se fôssemos capazes de categorizar as pessoas da maneira como fazemos com as coisas? Todo mundo seria muito mais previsível. Infelizmente, isso é bastante implausível, dada a individualidade de cada pessoa.

Uma ilusão?

E se a nossa crença em traços de personalidade fosse uma ilusão, como o Papai Noel? Afinal, muitas pessoas não são consistentes em diferentes situações. Essa possibilidade abalou os fundamentos da psicologia da personalidade no final dos anos 1960, quando Walter Mischel publicou um livro intitulado Personality and Assessment.

O que esse psicólogo propôs? Bem, talvez ele tenha considerado a possibilidade, mas não acabou com a psicologia da personalidade. Pelo menos da não maneira como Caim matou Abel ou Nietzsche decapitou Deus. Nesse caso, Mischel optou por uma avaliação da personalidade sensível ao contexto. Mischel acreditava que os psicólogos deveriam se concentrar nas reações distintas das pessoas a situações específicas.

Esse autor afirmou que uma pessoa em si não é honesta, mas é possível identificar uma tendência nela a ser honesta em certas circunstâncias. Vamos ver um exemplo. Carlos pode ser honesto quando não obtém lucro mentindo, mas pode não o ser quando obtém. Com essas informações, o que podemos dizer sobre a honestidade de Carlos?

Expandindo esse pensamento, Carlos pode não ser honesto para proteger seus entes queridos, mas ele pode ser se ganhar muito dinheiro por isso. Carlos é um mundo inteiro. Cada pessoa é um universo.

Vamos voltar para Mischel. Segundo ele, existem cinco variáveis ​​às quais o comportamento de uma pessoa é sensível:

  • Competências. Em todos os níveis: físico, intelectual, social, etc.
  • Estratégias cognitivas. Mecanismos de enfrentamento e as experiências da pessoa com elas.
  • Expectativas. As consequências que a pessoa espera para cada opção considerada.
  • Escala de valores pessoais e autoconceito. Ações que estão em sintonia com a escala de valores da pessoa são mais prováveis ​​sob risco de dissonância.
  • Sistemas de autorregulação. Conjunto de regras e normas às quais as pessoas se adaptam para regular o seu comportamento.
Ligações entre as pessoas

Reflexão final

Quando uma pessoa fala sobre a dificuldade que pode ser estudar outros cursos, ela não entende que a psicologia engloba o objeto de estudo mais complicado: o próprio ser humano. Isso explica a diferença entre o conhecimento popular e o conhecimento científico. O conhecimento científico está ciente, ou geralmente está ciente, da dificuldade do seu propósito.

Mischel acreditava que todo comportamento é produto de uma interação. Aquela que ocorre durante a situação, a forma de perceber essa situação e os recursos para negociar com ela. A coerência que encontraríamos quando falamos em traço, então, seria ou se limitaria a situações específicas em que as características mais salientes fossem iguais ou semelhantes.

Até hoje, a psicologia da personalidade ainda recebe muitas críticas, especialmente direcionadas a suas teorias sobre os traços de personalidade. Parece que há um certo consenso que defende a existência de uma tendência geral.

Se, por exemplo, colocássemos Juan diante de 100 situações que testassem sua honestidade, poderíamos obter uma porcentagem delas em que ele é honesto e atribuir-lhe uma pontuação no traço. Ele é 65% honesto.

Mas seria possível prever o comportamento de Juan em uma situação concreta apenas com essa informação? Alguém pode oferecer a Juan muito dinheiro para que ele minta sobre alguma coisa. No entanto, Juan pode escolher recusar a oferta e ser honesto, porque não tem problemas financeiros e nem grandes aspirações a esse respeito.

O problema é que, na realidade, temos informações muito limitadas sobre as pessoas à nossa frente. Por exemplo, podemos saber o saldo da sua conta corrente, mas não o do seu irmão, que precisa de dinheiro.

Na metodologia, existe uma certeza cruel: uma população pode medir em média tantos centímetros, mas pode não haver ninguém nessa população exatamente com essa altura. Assim, em grande medida, a psicologia da personalidade tem dificuldade em transcender os modelos teóricos e aplicá-los à realidade.

O jovem Foucault tinha consciência de que “a natureza dialética das relações do indivíduo com seu meio obriga a psicopatologia a assumir uma perspectiva necessariamente ecológica, obliterando a possibilidade de considerar o indivíduo doente de forma isolada (Novella, 2009).

Quanto à parte didática, podemos dizer que os modelos mencionados na introdução ficam ótimos em apresentações de Power Point. No entanto, ainda existem muitos problemas diferentes em torno deles. Nesse ponto, a teoria parece exausta; sobreviveu principalmente graças ao surgimento da psicologia positiva.

Mais cedo ou mais tarde serão os dados, prevalecendo sobre a reflexão, que começarão a nos guiar para uma solução.

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